PAA 570/2017 PAA - PARECER DA ADVOSF
Origem ADVOSF - ADVOCACIA DO SENADO FEDERAL
Data de Assinatura 21/09/2017
Classificação 3 - ATOS CONSULTIVOS


Tipo da Versão Texto da Versão
Original
Ver também PAA 208/2018
Orienta a interpretação d(o)(a) ATC 5/2011
Orienta a interpretação d(o)(a) ATC 19/2011

SENADO FEDERALAdvocacia00100.052423/2018-14 

 

 

PARECER Nº 570/2017-ADVOSF

Proc. nº 00200.017756/2017-98

 

Nepotismo. Constituição Federal. Princípios da isonomia, da publicidade, da eficiência, da impessoalidade e da moralidade. Súmula Vinculante STF nº 13. Decreto nº 7.203/2010. Ato da Comissão Diretora do Senado Federal nº 05/2011. Reclamação STF nº 18.564-SP. Indicação pela autoridade nomeante da ausência dos critérios objetivos definidos pelo Pretório Excelso para a caracterização de nepotismo.

 

A Chefia do Gabinete do Senador Antonio Carlos Valadares, representante do Estado do Sergipe pelo partido PSB, solicitou à Diretoria-Geral do Senado Federal “parecer jurídico que enfrente os argumentos apresentados e manifeste-se sobre a possibilidade de nomeação de XXXXX para o cargo de Assessora Técnica (SF-02)”, naquele Gabinete, considerando o Ato da Comissão Diretora nº 5/2011, que atribui à “Diretoria-Geral competência para solucionar os casos omissos ou que suscitem dúvida” quanto à aplicação do disposto no Decreto nº 7.203/2010, que dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito da Administração Pública Federal.

Segundo indicado nos autos, a Sra. XXXXX é casada com o servidor XXXXX que, desde 02 de junho de 2001, ocupa cargo SF-02 no gabinete parlamentar do Senador Eduardo Amorim, representante do Estado do Sergipe pelo partido PSDB.

Destacam-se os argumentos formulados pela chefia do gabinete parlamentar, que pretende a nomeação de XXXXX:

- elevada qualificação técnica”, com “mais de quinze anos de experiência de trabalho na área de orçamento público, inclusive com especializações, MBA e livro publicado sobre o tema”;

- o cargo para o qual se pretende indicar XXXXX não possui relação de dependência e subordinação com o cargo ocupado por YYYYY os cargos se inserem nas estruturas administrativas de gabinetes parlamentares distintos (...) não relação de hierarquia e subordinação entre os senadores, nem entre seus respectivos gabinetes”;

- YYYYY não “possui competência para indicar, nomear ou interferir no preenchimento do cargo que se pretende ver ocupado (...) presta assessoria a outro parlamentar, exercendo as funções de coordenador de conteúdo do mandato daquele titular (...) inexiste a possibilidade de que ele exerça qualquer tipo de influência sobre as autoridades responsáveis pela eventual indicação e nomeação de IONARA OLIVEIRA”;

- o não há “relação de parentesco” entre XXXXX e a “autoridade nomeante” ou, “relação de parentesco com a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante” (...), ressaltando-se que “no âmbito do Senado Federal, a nomeação para cargos de provimento em comissão integrantes da estrutura administrativa de gabinete parlamentar dá-se por Portaria da Diretora-Geral, conforme indicação do titular do gabinete (§ 2º e 3º do art. 107 do RASF)”;

- a “hipótese de relação de parentesco entre a candidata ao cargo e pessoa ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem venha estar subordinada também deve ser descartada (...) o cargo pretendido pertence a gabinete parlamentar distinto do cargo ocupado pelo cônjuge da candidata (...) não há relação de hierarquia e subordinação entre os cargos, assim como não há essa relação entre os gabinetes, ou entre os respectivos senadores titulares”;

- os “gabinetes parlamentares do Senado, muito embora possam não ostentar autonomia financeira e administrativa completa, por dependerem da Comissão Diretora quanto à definição de infraestrutura e recursos humanos, materiais e administrativos, eles têm autonomia financeira e administrativa relativamente entre si, além de autonomia funcional completa, para assessorar ‘diretamente o titular’ na atividade legislativa, parlamentar, fiscalizadora, política e de comunicação social (art. 196 do RASF)”;

- os “chefes mediatos e imediatos de cada gabinete, por óbvio, são pessoas distintas” – “seria impossível e ilógico afirmar que um Assessor Técnico (SF 02) do Gabinete X tem ‘relação de dependência e subordinação’ com um Assessor Técnico (SF 02) do Gabinete Y”;

- não seria razoável supor que um assessor de gabinete teria poder sobre outro Senador ou sobre a Diretoria-Geral, para influenciar as indicações e nomeações da equipe técnica do outro gabinete”;

- no “caso concreto em exame, isso se mostra ainda mais evidente, pois antes mesmo que seu cônjuge viesse a ocupar cargo idêntico em gabinete diverso, XXXXX já era servidora da Casa, ou seja, não há como conceber que agora, na eventual formação de um segundo vínculo, haja influência ou favorecimento em razão de vínculo de parentesco”;

- a “eventual indicação da candidata ao cargo será eminentemente técnica” – “como já mencionado, ela exerceu o cargo de Assessora Técnica (SF-02) no Gabinete do Senador Antonio Carlos Valadares por oito anos, com grande eficiência e dedicação exemplar ao serviço público” – “seu currículo Lattes, disponível em http://lattes.cnpq.br/7917719248450491, deixa inconteste sua larga formação técnica para a função de assessoria em matéria orçamentária” – “ esse o único motivo de sua eventual contratação”;

- a impossibilidade de influência de seu cônjuge no processo de seleção, indicação e nomeação, somada à qualificação técnica que motiva eventual contratação, demonstra que o caso também não configura (...) hipótese objetiva de nepotismo, que seria o ajuste mediante designações recíprocas (...) a candidata não tem qualquer relação de parentesco com o senador titular do gabinete a que é vinculado o cargo ocupado por seu cônjuge, nem seu cônjuge, em sentido inverso, possui relação de parentesco como o senador titular do gabinete a que se vincula o cargo que ela viria a ocupar”;

- “isenção do processo de escolha de XXXXX para a assessoria do gabinete em matéria orçamentária sem relação de subordinação ao cônjuge, nem possibilidade de influência dele no processo de contratação, uma eventual vedação de acesso ao cargo, à candidata, significaria, com o entendeu o Ministro Dias Toffoli, no voto que conduziu o julgamento da Segunda Turma do STF na RCL 18.568, ‘em alguma medida, negar um dos princípios constitucionais a que se pretendeu conferir efetividade com a edição da SV nº 13, qual seja, o princípio da impessoalidade’”.

 

Desta forma, argumenta-se, em síntese, que a nomeação pretendida fundamenta- se exclusivamente na qualificação técnica da referida profissional, sendo totalmente alheia ao fato de seu cônjuge ser servidor ocupante de cargo de provimento em comissão nesta Casa Legislativa e da inexistência de qualquer relação de subordinação hierárquica entre a candidata e seu cônjuge, que terão lotação em gabinetes parlamentares distintos e autônomos.

 

Conforme indicado, as razões apresentadas pela chefia do gabinete parlamentar alinham-se ao voto-vista do Ministro Dias Toffoli, que conduziu o acórdão proferido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal na Reclamação STF 18.564-SP, em 23 de fevereiro de 2016, assim ementado:

Constitucional e Administrativo. Súmula Vinculante nº 13. Ausência de configuração objetiva de nepotismo. Reclamação julgada improcedente. Liminar anteriormente deferida cassada.

  1.             Com a edição da Súmula Vinculante 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber: i) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; ii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; iii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.
  2.             Em sede reclamatória, com fundamento na SV 13, é imprescindível a perquirição de projeção funcional ou hierárquica do agente político ou do servidor público de referência no processo de seleção para fins de configuração objetiva de nepotismo na contração de pessoa com relação de parentesco com ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento no mesmo órgão, salvo ajuste mediante designações recíprocas.
  3.             Reclamação julgada improcedente. Cassada a liminar anteriormente deferida.

 

No contexto, destacam-se os seguintes trechos do referido voto-vista do Ministro Dias Toffoli na Reclamação STF 18.564-SP:

No precedente plenário desta Suprema Corte que deu ensejo à edição da Súmula Vinculante nº 13 – RE nº 579.951/RN, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 23/10/08 -, firmou-se o entendimento de que a vedação ao nepotismo decorre diretamente do art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial dos princípios da impessoalidade e da moralidade, informadores da Administração Pública.

Pedindo venia ao Relator, apresento voto divergente no tocante à conclusão pela prescindibilidade de perquirição de projeção funcional ou hierárquica do agente político ou do servidor público de referência com relação ao outro nomeado no processo de seleção para fins de configuração objetiva de nepotismo com fundamento na SV nº 13.

Entendo que a incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante nº 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre a pessoa designada e agente político ou servidor público, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.

Isso porque vedar o acesso de qualquer cidadão a cargo público tão somente em razão da existência de relação de parentesco com servidor público que não tenha competência para selecionar ou o nomear para o cargo de chefia, direção ou assessoramento pleiteado, ou que não exerça ascendência hierárquica sobre aquele que possua essa competência é, em alguma medida, negar um dos princípios constitucionais a que se pretendeu conferir efetividade com a edição da Súmula Vinculante nº 13, qual seja, o princípio da impessoalidade.

Assim, concluo que a vedação do nepotismo consubstanciada no enunciado vinculante indicado como paradigma de confronto nesta reclamação tem o condão de resguardar a isenção do processo de escolha para provimento de cargo ou função pública de livre nomeação e exoneração.

(...)

Dessa perspectiva e sem pretender esvaziar a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário por via processual distinta da presente reclamação constitucional – no caso de subsistirem outros elementos de prova ou de direito suficientes à comprovação de favorecimento indevido no ato de nomeação de (...) para o cargo de provimento em comissão de assessor de controle externo do TCM/SP -, concluo que o reclamante não logrou comprovar a existência de elemento essencial para a configuração objetiva de nepotismo no ato questionado com fundamento na Súmula Vinculante nº 13. (grifou-se)

 

Também se mostram elucidativos os seguintes trechos dos debates do aludido julgamento:

(....)

Ao editar a Súmula Vinculante nº 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber:

a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada;

b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante;

c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada;

d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.

(...)

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE): – Veja, aqui mesmo, nos tribunais, nós temos pessoas com relação de parentesco no gabinete de A, no gabinete de B.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): – Sim. Claro. E que vem de forma autônoma, como nós sabemos.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE): – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) – Quer dizer, eles são indicados autonomamente. Às vezes, marido e mulher, mas que foram, por razões diferentes, indicados.

 

De fato, diante do advento do Acórdão STF 18.564-SP, com as considerações do Ministro Dias Toffoli que flexibilizaram, de certa forma, os termos da aplicação da Súmula Vinculante STF nº 13 e ressaltaram aspecto de inconstitucionalidade na vedação “do acesso de qualquer cidadão a cargo público tão somente em razão da existência de relação de parentesco com servidor público que não tenha competência para selecionar ou o nomear para o cargo de chefia, direção ou assessoramento pleiteado, ou que não exerça ascendência hierárquica sobre aquele que possua essa competência é, em alguma medida, negar um dos princípios constitucionais a que se pretendeu conferir efetividade com a edição da Súmula Vinculante nº 13, qual seja, o princípio da impessoalidade”, aliada a toda a argumentação do gabinete do Senador Antonio Carlos Valadares, que ressaltou ser a motivação para a admissão da candidata exclusivamente a sua qualificação técnico-profissional, independentemente de qualquer critério inconstitucional de pessoalidade, não podem deixar de ser considerados e forçam uma atualização de posicionamentos por parte  desta Advocacia do Senado Federal e a interpretação do Decreto nº 7.203/2010 conforme a Constituição Federal.

De ressaltar que o cumprimento ao disposto no Ato da Comissão Diretora nº 5/2011 pela Diretoria-Geral, com competência para “solucionar os casos omissos ou que suscitem dúvidas”, salvo evidente teratologia, por óbvio, não lhe confere competência para se imiscuir ou recusar as razões de cunho administrativo formuladas por parlamentar que, ciente da situação de parentesco entre a candidata ao cargo público de provimento em comissão e outro servidor já ocupante de cargo público de provimento em comissão nesta Casa, chama para si, no aspecto, toda a responsabilidade pela nomeação.

Constata-se que o Acórdão proferido em 23 de fevereiro de 2016 pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal na Reclamação STF 18.564-SP não infirma considerações sobre a matéria, já reiteradas por esta Advocacia do Senado Federal, a exemplo dos seguintes trechos, que se extraem da Informação nº 287/2014-ADVOSF, de 27 de agosto de 2014:

 

O Ato da Comissão Diretora nº 05/2011 estabeleceu em seu artigo 1º apenas a aplicação, no âmbito do Senado Federal, das disposições do Decreto nº 7.203/2010.

O Ato da Comissão Diretora nº 19/2011 conferiu competência à Diretoria-Geral para dar imediato cumprimento à aplicação do Decreto nº 7.203/2010, no âmbito do Senado Federal, e “solucionar os casos omissos ou que suscitem dúvidas”.

A inspiração do Decreto nº 7.203/2010 foi a mesma que levou à edição da Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal.

A Súmula Vinculante STF nº 13 foi o resultado de diversos e reiterados julgamentos, proferidos pela mais alta instituição do Poder Judiciário Brasileiro, todos no sentido de que a proibição do chamado “nepotismo” seria decorrência direta dos princípios da Constituição Federal de 1988, em especial, da isonomia, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência.

Assim, o entendimento fixado foi o de que a vedação ao “nepotismo” seria uma decorrência da própria Constituição e sequer exigiria edição de lei formal ou de ato regulamentar. Elucidativo, neste sentido, o seguinte trecho do voto da Ministra Carmen Lúcia na ADC 12/DF:

Os princípios estampados no art. 37 da Constituição Brasileira de 1988 erigiram ao nível fundamental e de maneira expressa o que se continha na legislação brasileira (de se lembrar, dentre outras, a lei n. 4.171, de 1965, lei da ação popular), que rompe a presunção de legitimidade dos atos administrativos quando se cuide de nomeação sem concurso público, máxime em se cuidando de parentes. E a legislação eleitoral, que, com fundamento constitucional, vem impedindo desde a década de 30 do século passado, candidatos de parentes.

Tudo a demonstrar que os fundamentos constitucionais não permitem o parentesco como fonte ou critério de admissão no serviço público, sequer em cargo dito de confiança, que confiança aí se põe na qualificação do candidato e não na qualidade do nome por ele ostentado.

Nem precisava haver princípio expresso – quer da impessoalidade, quer da moralidade administrativa – para que se chegasse ao reconhecimento da constitucionalidade das proibições de contratação de parentes para os cargos públicos. Bastaria que se tivesse em mente a ética democrática e a exigência republicana, contidas no art. 1º da Constituição, para se impor de maneira definitiva, direta e imediata a todos os Poderes da República.

 

Sobre a questão, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, no voto proferido no julgamento do RE 579.951-4-RN, observou que “a Administração Pública deve pautar-se em conformidade com o princípio da moralidade, que corresponde à obrigação de agir segundo os padrões éticos de probidade, decoro, honradez, dignidade e boa-fé”.

No mesmo voto proferido no RE 579.951-4-RN, o Relator observou também que, dentre os princípios indicados no caput do artigo 37 da Constituição, para o resguardo do interesse público na tutela dos bens da coletividade, destacam-se os da moralidade e da impessoalidade, que exigem conduta do agente público segundo padrões éticos, cujo fim último seria lograr a consecução do bem comum.

Assim, as designações para os cargos ou as funções de confiança podem configurar abuso das prerrogativas, no contexto de um sistema constitucional, no qual os agentes públicos, no exercício de suas atividades, estão obrigados a atender às prescrições constitucionais e regimentais.

O Ministro Celso de Mello consignou o seguinte em voto no RE 579.951-4/RN:

Sabemos todos que a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa, que se qualifica como valor constitucional impregnado de substrato ético e erigido à condição de vetor fundamental no processo de poder, condicionando, de modo estrito, o exercício pelo Estado e por seus agentes, da autoridade que lhes foi outorgada pelo ordenamento normativo. Esse postulado, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se funda a própria ordem positiva do Estado. É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle de todos os atos do poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles se situem.

Na realidade – e especialmente a partir da Constituição Republicana de 1988 -, a estrita observância do postulado da moralidade administrativa passou a qualificar-se como pressuposto de validade dos atos que, fundados ou não em competência discricionária, tenham emanado de autoridade ou órgãos do Poder Público, consoante proclama autorizado magistério doutrinário (...).

Sabemos que o Estado, no exercício das atividades que lhe são inerentes, não pode ignorar os princípios essenciais, que, derivando da constelação axiológica que confere substrato ético às ações do Poder Público, proclamam que as funções governamentais, não importa se no âmbito do Poder Executivo, no âmbito do Poder Legislativo ou no domínio do Poder Judiciário, hão de ser exercidas com estrita observância dos postulados da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Esses princípios, erigidos à condição de valores fundamentais pela Carta Política, representam pauta de observância necessária por parte dos órgãos estatais. Mais do que isso, Senhor Presidente, tais postulados qualificam-se como diretrizes essenciais que dão substância e significado à repulsa que busca fazer prevalecer, no âmbito do aparelho do estado, o sentido real da ideia republicana, que não tolera prática e costumes administrativos tendentes a confundir o espaço público com a dimensão pessoal do governante, em claro desvio de caráter ético-jurídico.

 

Neste contexto, o Decreto nº 7.203/2010 apenas reiterou um mínimo ético, um “núcleo fixo” ou “zona de certeza” quanto à prática do “nepotismo”, que anteriormente já era possível se extrair do ordenamento jurídico, por força do regramento constitucional, conforme considerado no voto do Ministro Gilmar Mendes na ADC-12-MC/DF, na análise da Resolução CNJ nº 7/2005:

 

Essa modalidade não é elemento do ato administrativo, como ressalta GORDILLO, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente.

A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota GARCIA DE ENTERRIA, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um “núcleo fixo” (Begriffkern) ou “zona de certeza”, que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso. A vedação ao nepotismo é regra constitucional que está na zona de certeza dos princípios da moralidade e da impessoalidade.

 

Foi desta forma que Decreto nº 7.203/2010 considerou como “zona de certeza” de violação aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade as hipóteses estabelecidas no seu artigo 3º:

 

Art. 3º. No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado, familiar da máxima autoridade administrativa correspondente ou, ainda, familiar de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança, direção, chefia ou assessoramento, para:

 I – cargo em comissão ou função de confiança;

II – atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a contratação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e

III – estágio, salvo se a contratação for precedida de regular processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes.

§ 1º. Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal.

§ 2º. As vedações deste artigo estendem-se aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal.

§ 3º. É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.

 

Uma desconsideração à literalidade do artigo 3º do Decreto nº 7.203/2010 (corroborado pelo Ato da Comissão Diretora nº 05/2011) significa, em tese, uma atuação em uma “zona limítrofe”, ou em uma “zona de incerteza” quanto à constitucionalidade de nomeações ou de designações. Deixa margem para questionamentos.

Explica-se assim a ideia do enquadramento em uma “zona limítrofe de constitucionalidade”, no que se refere às hipóteses abstratas, na medida em que não haveria uma autorização para nomeação, designação ou contratação, independentemente de observância aos princípios constitucionais da isonomia, da moralidade, da impessoalidade, da eficiência e da publicidade (transparência).

No contexto, o § 1º do artigo 3º e o inciso III do artigo 4º do Decreto nº 7.203/2010 referem-se à ilicitude de toda e qualquer conduta que configure ajuste para “para burlar as restrições do nepotismo”, sendo apenas exemplos, que não excluem outras hipóteses de proibição, as “nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal”.

É neste sentido que o próprio Decreto nº 7.203/2010 indicou em seu artigo 6º o seguinte:

 

Art. 6º. Serão objeto de apuração específica os casos em que haja indícios de influência dos agentes públicos referidos no art. 3º:

I – na nomeação, designação ou contratação de familiares em hipóteses não previstas neste Decreto;

II – na contratação de familiares por empresa prestadora de serviço terceirizado ou entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal.

 

Nesta seara, observa-se muito mais relevância nas razões da decisão da autoridade responsável pelas nomeações e pelas designações.

Em trecho referido pelo Relator no RE 579.951/DF, Maria Sylvia Zanella Di Pietro expressa o seguinte entendimento:

 

A atuação do administrador, ainda que, em muitos casos, esteja em consonância com o sentido literal da lei, caso se revele ofensiva à moral, aos bons costumes, ao poder-dever de probidade, às ideias de justiça e equidade e ao senso comum de honestidade, estará em evidente confronto com o princípio da moralidade administrativa.

 

Nestes termos, sob o aspecto em consideração, o Decreto nº 7.203/2010 deve ser lido com a ressalva de que podem ser objeto de apurações, todos os casos em que existirem indícios de influência dos agentes públicos referidos no artigo 3º, na nomeação, na designação ou na contratação de familiares.

É o que se confirma também mediante o seguinte trecho do voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski no RE 579.951/RN:

 

Ora, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios abrigados no caput do art. 37 da Constituição, não há como deixar de concluir que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa reprovável conduta. Para o expurgo de tal prática, (...), basta contrastar as circunstâncias de cada caso concreto com o que se contém no referido dispositivo constitucional.

Desta forma, a liberdade constitucional para a nomeação e para a exoneração dos ocupantes de cargos em comissão, prevista no inciso II do artigo 37 da Carta de 1988, não significa liberdade para os agentes públicos contrariarem os princípios constitucionais da isonomia, da eficiência, da publicidade, da impessoalidade e da moralidade. Em outros termos, trata-se de uma liberdade condicionada ao atendimento aos princípios maiores da Constituição liberdade constitucional do inciso II do artigo 37 também não significa uma isenção quanto às obrigações de prestar contas e nem de justificar, com a apresentação em público[1] das razões determinantes para as nomeações e para as designações para cargos em comissão e para funções de confiança, sempre que questionadas. Esta é a tendência que transparece de todo o debate jurídico, do qual a Súmula Vinculante STF 13 é um exemplo flagrante.

Conforme considerado, toda a discussão que culminou com a Súmula Vinculante 13 (discussão que, a propósito, ainda não se encerrou) travou-se com referências aos princípios constitucionais da isonomia, da publicidade, da eficiência, da impessoalidade e da moralidade. Isto evidencia uma ampliação da possibilidade de questionamentos sobre os limites da atuação dos agentes públicos, até nos processos de escolha de ocupantes de cargos em comissão e de funções de confiança, atos tradicionalmente tidos como tipicamente discricionários.

Ou seja, indica-se que aquilo que antes se tinha por discricionário e insindicável, com o advento do Estado Democrático de Direito da Constituição de 1988 e seus princípios, não deixou de ser discricionário, porém, passou a estar sujeito ao conhecimento público e ao maior controle social.

Estabelece-se uma nova ordem de discricionariedade, passível de maiores questionamentos e mais adaptada ao Estado Democrático de Direito, onde a racionalidade e a objetividade dos atos administrativos tendem a exigir transparência e justificação constante[2].

É neste contexto que se insere a Emenda Constitucional nº 19/1998, com a redação que deu ao § 3º do artigo 37 da Carta, que estabelece “o acesso dos usuários a registros e a informações sobre atos de governo”, como desdobramento ao direito fundamental previsto no inciso XXXIII do artigo 5º: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Eduardo Garcia de Enterría observa que o cidadão de uma democracia não perde a sua liberdade no momento em que vota; a teoria democrática não admite que as decisões dos agentes públicos sejam indiscutíveis[3]. A oposição, as críticas, assim como as impugnações dos cidadãos aos atos dos agentes públicos devem ser acolhidas com naturalidade, pois se integram na essência do ideal democrático[4].

Conforme Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o pressuposto, no estado Democrático de Direito, é o de que todas as manifestações do Poder Público estejam vinculadas ao atendimento do “interesse público”[5].

Ana Paula de Barcellos indica a noção de controle social como um dos conteúdos mínimos da ideia de democracia[6].

Sobre o dever da motivação, Rita Tourinho lembra que é justamente nas hipóteses das escolhas com maior grau de discricionariedade que ele se torna mais importante, como um fator de controle da regularidade nas atividades administrativas[7]. A fundamentação adequada exige ainda que os motivos indicados sejam coerentes, “existentes e suficientes”[8].

Celso Antônio Bandeira de Mello observa que o motivo é realidade objetiva exterior ao agente e precede a existência do ato como condição para a sua validade e que o controle dos atos administrativos se estende ao exame dos motivos[9].

Alexandre de Moraes ressalta o surgimento de posicionamentos em favor da possibilidade de controle judicial “em relação aos atos discricionários, quando da existência de expressões legais que não apresentam noções precisas, tais como interesse público, conveniência administrativa, ordem pública”[10].

Segundo Juarez Freitas, não se trata de um controle direto sobre o mérito, da conveniência ou da oportunidade, mas de um controle legítimo com relação ao “demérito” e à “antijuridicidade”[11]. O Estado Constitucional é um “Estado das escolhas administrativas legítimas”[12].

É aqui que se observa que a Constituição deva ser compreendida e cumprida conforme os valores vigorantes na sociedade. Os princípios morais, cuja observância a Constituição Federal impõe, se encontram na sociedade e são percebidos por todos aqueles que a integram e não somente por estudiosos do Direito. Trata-se da moral coletiva, que “reflete um conjunto de crenças e valores profundamente arraigados”, conforme o seguinte trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa na ADC 12-MC/DF:

 

O Direito não pode dissociar-se da Moral, isto é, de uma Moral Coletiva, pois ele reflete um conjunto de crenças e valores profundamente arraigados, que emanam da autoridade soberana, ou seja, do povo. Quando, em determinada sociedade, há sinais de dissociação entre esses valores comunitários e certos padrões de conduta de alguns segmentos do aparelho estatal, tem-se grave sintoma de anomalia, a requerer a intervenção da justiça constitucional como força intermediadora e corretiva.

 

Desta forma, a moral coletiva pressupõe que o homem apto para o exercício de seus direitos de cidadania tenha plena consciência das implicações éticas relacionadas às suas próprias condutas. Trata-se de uma moralidade objetiva, que é de percepção comum e não uma questão de ordem técnico-jurídica.

As observações traçadas pretendem apenas apresentar a tendência no sentido de uma maior transparência, ainda no que se refere aos atos discricionários, com a possibilidade de que os responsáveis por nomeações e por designações para cargos de provimento em comissão e funções de confiança, cujas constitucionalidades sejam questionadas, possam vir a ser chamados a apresentar, em concreto, perante os demais representantes da cidadania ou até o Poder Judiciário, as razões determinantes de seus atos.

O parecer jurídico não é capaz de conter as razões fáticas determinantes para as nomeações e as designações para os cargos de provimento em comissão e para as funções de confiança, que se encontram na esfera da discricionariedade do agente público com poder de decisão, sobre a qual a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo uma maior sindicabilidade. Em concreto, devem ser observados os princípios constitucionais da isonomia, da eficiência, da publicidade, da impessoalidade e da moralidade.

 

Destaca-se que, pelo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no aludido julgamento, a relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargos de direção, chefia ou assessoramento figura como critério objetivo de caracterização de nepotismo se houver subordinação.

Desta forma, entende-se que, sendo certo que as razões de nomeação para o exercício de cargo de provimento em comissão são da responsabilidade de quem a solicita e que, uma vez apresentadas, vinculam quem as subscreve, é de se considerar a argumentação da Autoridade Legislativa, que goza de presunção de legitimidade, no sentido da ausência de violação de princípios constitucionais na nomeação da Senhora da XXXXX para o exercício do cargo de provimento em comissão de Assessora Técnica (SF-02), no Gabinete do Senador Antonio Carlos Valadares, considerando os critérios objetivos de caracterização de nepotismo adotados pelo STF no julgamento da Reclamação nº 18.564/SP, pois aludem à ausência de ajuste mediante designações recíprocas  (i), inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante (ii); bem como a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargos de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada (iii) e a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante (iv).

Brasília, 21 de setembro de 2017.

Hélio Rodrigues Figueiredo Junior Advogado - Matr. 53240

Aprovo. Junte-se aos autos e encaminhem-se à Diretoria-Geral do Senado Federal.

Brasília, 21 de setembro de 2017.

Fernando Cesar Cunha Advogado do Senado Federal Coordenador-Geral

 

Alberto Cascais Advogado-Geral

 

ARQUIVO ASSINADO DIGITALMENTE. CÓDIGO DE VERIFICAÇÃO: 1BD8C5BD002314F0.CONSULTE EM http://www.senado.gov.br/sigadweb/v.aspx.1Praça dos Três Poderes Senado Federal Anexo E andar Av. N2 CEP 70165-900 - Brasília DF Telefone: 55 (61) 3303-4750 Fax: 55 (61) 3303-2787 advosf@senado.leg.br 


[1] Em princípio, todas as decisões do Poder Público “devem ser capazes de ser justificadas em público”. Enterría, Eduardo Garcia de. Democracia, juices y control de la administración. 6ª edição. Navarra: Editorial Aranzadi S.A. – Civitas, 2009, p. 112.

[2] Enterría, Eduardo Garcia de. Democracia, juices y control de la administración. 6ª edição. Navarra: Editorial Aranzadi S.A. – Civitas, 2009, p. 122.

[3] Enterría, Eduardo Garcia de. Democracia, juices y control de la administración. 6ª edição. Navarra: Editorial Aranzadi S.A. – Civitas, 2009, p. 75.

[4] Enterría, Eduardo Garcia de. Democracia, juices y control de la administración. 6ª edição. Navarra: Editorial Aranzadi S.A. – Civitas, 2009, p. 82-83.

 

[5] MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade. Rio de Janeiro: Forense. 4ª ed., 2001, p. 21.

[6] Barcellos, Ana Paula de. Papeis do Direito Constitucional no fomento do controle social democrático: algumas propostas sobre o tema da informação. Disponível em HTTP://www.bfbm.com.br/shared/download/artigoumdebateparaoneoconstitucionalismo.pdf. Acesso em 12/05/2014, p. 6.

[7] TOURINHO, Rita. A principiologia jurídica e o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Discricionariedade administrativa. Emerson Garcia (coordenador). Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2005, p. 143.

[8] TOURINHO, Rita. A principiologia jurídica e o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Discricionariedade administrativa. Emerson Garcia (coordenador). Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2005, p. 95.

[9] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª Ed., 8ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 87-99.

[10] MORAES, Alexandre. Princípio da eficiência e a evolução do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários. Direitos Fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J.J Gomes Canotilho. Coordenação George Salomão Leite, Ingo Wolfgang Sarlet. São Paulo;Revista dos Tribunais, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 423.

[11] FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 34.

[12] FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 9.