PARECER Nº 208/2018-ADVOSF
Processo nº 00200.003620/2018-81
Consulta. Vedação ao nepotismo no Programa de Estágios do Senado Federal. Adoção do entendimento firmado no Parecer n.º 570/2017-ADVOSF.
I. RELATÓRIO.
Trata o presente processo de consulta formulada pela Diretoria-Geral acerca da aplicação da vedação ao nepotismo no Programa de Estágios do Senado Federal, considerando o entendimento desta Advocacia exarado no Parecer n.º 570/2017-ADVOSF.
O processo foi instaurado mediante a indagação do Serviço de Gestão de Estágios à Coordenação de Administração de Pessoal (documento nº 00100.021264/2018-14) sobre a possibilidade de adoção do entendimento contido no referido Parecer deste órgão de assessoramento jurídico que, observando a disciplina fixada pelo STF, entendeu que a Administração do Senado Federal poderia avaliar o caso concreto e ponderar se incidiriam as vedações expressas por aquela Corte Constitucional na nomeação de pessoa casada com servidor comissionado do Senado, porém em gabinetes distintos. Em resposta ao questionamento, a COAPES encaminhou os autos à Diretoria-Geral (documento nº 00100.021278/2018-20) solicitando esclarecimento se seria possível a aplicação analógica na orientação trazida pelo Parecer nº 570/2017-ADVOSF, bem como encaminhou relatório detalhado dos procedimentos adotados na seleção de estágio de candidato (a) com deficiência (PcD) que possui vínculo com servidora desta Casa.
Em seu turno, a Diretoria-Geral remeteu os autos a esta Advocacia, por meio do Despacho nº 474/2018-DGER (documento nº 00100.023305/2018-07), para que este órgão se manifeste, considerando o Decreto n.º 7.203/2010, ATC n.º 05/2011 – especialmente o art. 28 do ATC n.º 11/2015 –, bem como a Súmula vinculante nº 13 do STF e o teor do Parecer nº 570/2017-ADVOSF, acerca da aplicação da vedação ao nepotismo no Programa de Estágios do Senado Federal.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Inicialmente, insta salientar que a edição do Enunciado n.º 13 da Súmula Vinculante é o resultado da reiteração do entendimento proferido pelo STF no sentido de proibir do chamado “nepotismo” nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas esferas federal, estadual e municipal.
Ocorre que, para o Direito, o termo nepotismo constitui conceito jurídico indeterminado cuja aplicabilidade depende da definição de limites objetivos e subjetivos. Consoante elucida Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernandez, com a técnica dos conceitos jurídicos indeterminados, “a lei refere uma esfera da realidade cujos limites não aparecem bem precisados no seu enunciado, não obstante o qual é claro que tenta delimitar uma hipótese concreta ”.
Foi isso que o Supremo Tribunal Federal pretendeu com o Enunciado nº13 da Súmula Vinculante, com o seguinte teor:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
Verifica-se mediante a análise do enunciado da súmula que sua redação é muito abrangente, de modo que sua interpretação literal e, consequentemente, sua individualização aos casos concretos, por vezes, pode suscitar dúvidas ou gerar incongruências nos atos dela decorrentes. Com este desiderato, na análise do caso em concreto, não se pode afastar da observância obrigatória dos princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
Desta feita, o Parecer nº 570/2017-ADVOSF pode ser considerado paradigma para a atuação do Senado Federal quando diante de casos análogos. Assim, considerando que os Consulentes fazem referência ao teor do citado Parecer, insta ressaltar apenas alguns trechos do opinativo e sua conclusão:
No contexto, destacam-se os seguintes trechos do referido voto-vista do Ministro Dias Toffoli na Reclamação STF 18.564-SP:
No precedente plenário desta Suprema Corte que deu ensejo à edição da Súmula Vinculante nº 13 – RE nº 579.951/RN, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 23/10/08 -, firmou-se o entendimento de que a vedação ao nepotismo decorre diretamente do art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial dos princípios da impessoalidade e da moralidade, informadores da Administração Pública.
Pedindo vênia ao Relator, apresento voto divergente no tocante à conclusão pela prescindibilidade de perquirição de projeção funcional ou hierárquica do agente político ou do servidor público de referência com relação ao outro nomeado no processo de seleção para fins de configuração objetiva de nepotismo com fundamento na SV nº 13.
Entendo que a incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante nº 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre a pessoa designada e agente político ou servidor público, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.
Isso porque vedar o acesso de qualquer cidadão a cargo público tão somente em razão da existência de relação de parentesco com servidor público que não tenha competência para selecionar ou o nomear para o cargo de chefia, direção ou assessoramento pleiteado, ou que não exerça ascendência hierárquica sobre aquele que possua essa competência é, em alguma medida, negar um dos princípios constitucionais a que se pretendeu conferir efetividade com a edição da Súmula Vinculante nº 13, qual seja, o princípio da impessoalidade. Assim, concluo que a vedação do nepotismo consubstanciada no enunciado vinculante indicado como paradigma de confronto nesta reclamação tem o condão de resguardar a isenção do processo de escolha para provimento de cargo ou função pública de livre nomeação e exoneração.
(...)
Dessa perspectiva e sem pretender esvaziar a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário por via processual distinta da presente reclamação constitucional – no caso de subsistirem outros elementos de prova ou de direito suficientes à comprovação de favorecimento indevido no ato de nomeação de (...) para o cargo de provimento em comissão de assessor de controle externo do TCM/SP -, concluo que o reclamante não logrou comprovar a existência de elemento essencial para a configuração objetiva de nepotismo no ato questionado com fundamento na Súmula Vinculante nº 13. (grifado no original)
De fato, diante do advento do Acórdão STF 18.564-SP, com as considerações do Ministro Dias Toffoli que flexibilizaram, de certa forma, os termos da aplicação da Sumula Vinculante STF nº 13 e ressaltaram aspecto de inconstitucionalidade na vedação “do acesso de qualquer cidadão a cargo público tão somente em razão da existência de relação de parentesco com servidor público que não tenha competência para selecionar ou o nomear para o cargo de chefia, direção ou assessoramento pleiteado, ou que não exerça ascendência hierárquica sobre aquele que possua essa competência é, em alguma medida, negar um dos princípios constitucionais a que se pretendeu conferir efetividade com a edição da Súmula Vinculante nº 13, qual seja, o princípio da impessoalidade” (...).
De ressaltar que o cumprimento ao disposto no Ato da Comissão Diretora nº 5/2011 pela Diretoria-Geral, com competência para “solucionar os casos omissos ou que suscitem dúvidas”, salvo evidente teratologia, por óbvio, não lhe confere competência para se imiscuir ou recusar as razões de cunho administrativo formuladas por parlamentar que, ciente da situação de parentesco entre a candidata ao cargo público de provimento em comissão e outro servidor já ocupante de cargo público de provimento em comissão nesta Casa, chama para si, no aspecto, toda a responsabilidade pela nomeação.
(...)
Desta forma, entende-se que, sendo certo que as razões de nomeação para o exercício de cargo de provimento em comissão são da responsabilidade de quem a solicita e que, uma vez apresentadas, vinculam quem as subscreve, é de se considerar a argumentação da Autoridade Legislativa, que goza de presunção de legitimidade, no sentido da ausência de violação de princípios constitucionais na nomeação da Senhora da Ionara Oliveira Cardoso Oliveira Cruz para o exercício do cargo de provimento em comissão de Assessora Técnica (SF-02), no Gabinete do Senador Antonio Carlos Valadares, considerando que afastam os critérios objetivos de caracterização de nepotismo adotados pelo STF no julgamento da Reclamação nº 18.564/SP, pois aludem à ausência de ajuste mediante designações recíprocas (i), demonstram a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante (ii); bem como a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargos de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada (iii) e a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante (iv). (Grifos diferentes do original).
Destarte, assim como na teoria do mínimo ético de Jellinek, o Decreto nº 7.203/2010, em seu artigo 3º, delineou a chamada “zona de certeza”, segundo a qual a configuração das hipóteses ali contidas violaria os princípios da pessoalidade e moralidade constitucionais. Contudo, estas hipóteses não seriam estanques, a própria previsão do art. 6º do mesmo Decreto abre espaço para a necessidade de que as hipóteses sejam analisadas, caso a caso, diante de indícios suficientes de violação daqueles princípios constitucionais.
Aliado a este entendimento, o STF na Reclamação n.º 18.564/SP estabeleceu as balizas a serem observadas para aplicação da vedação ao nepotismo, explicitada na conclusão do parecer: ausência de ajuste mediante designações recíprocas, inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; bem como a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargos de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada e a inexistência de relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.
Em termos práticos, a verificação da ocorrência de nepotismo não se dará de forma automática e indistinta, cabendo à autoridade nomeante se certificar de que as hipóteses estabelecidas (zonas de certeza) não foram concretizadas, bem como não houve afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade. Assim, considerando as ponderações efetuadas pelo SGEST, em sua consulta contida no documento 00100.021264/2018-14, insta salientar algumas balizas de forma a orientar o cotejo das situações fáticas às hipóteses trazidas pelo Enunciado nº 13 da Súmula do STF.
- Ajustes mediante designações recíprocas;
Não há este tipo de ocorrência, pois o candidato é convocado para entrevista somente se estiver inscrito na fila por área de estudo e turno de estágio. Não existe a figura da indicação no Programa de Estágio do Senado Federal.
Sobre esta afirmação, cabe destacar que, embora improvável, não seria impossível a presença concomitante de candidatos a estagiário na lista geral que possuem servidores ou pessoas vinculadas ao Senado Federal. Destarte, além do vínculo direto e efetivo com o supervisor do estágio, há que se considerar ainda a possibilidade de que o servidor com relação de parentesco com o candidato não possua vagas de estágio à sua disposição para seleção, bem como não possa, ainda, influenciar na nomeação de servidores comissionados que possam ter vínculo com o eventual supervisor, pois, embora o estágio possa ser encarado como uma posição de menor relevância em cotejo com o cargo em comissão, ambos são oportunidade de inserção no mercado para realizar atividades que, resguardadas as devidas proporções, são retribuídos pecuniariamente.
- Relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante;
Pode ocorrer esta situação quando o solicitante da vaga de estágio é o Serviço de Gestão de Estágios – SGEST, pois este Serviço é o responsável por todas as contratações (autoridade nomeante). Nesse caso, não pode ser contratado candidato que possua parente no SGEST para ocupar vaga no próprio SGEST.
A vedação de contratação de estagiários que possuem relação com servidores do SGEST é absoluta, não podendo ser flexibilizada. Ademais, além dos servidores vinculados ao SEGEST, há que se verificar, também, a eventual relação com o supervisor, bem como com os gestores da área que possuem poder hierárquico sobre aquela unidade demandante da vaga de estágio, consoante apontamento “IV” abaixo.
- Relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargos de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada;
Pode eventualmente ocorrer esta situação, porém, basta não permitir a contratação do candidato caso o seu parente seja o solicitante da vaga.
Novamente, não basta a simples análise sob enfoque de quem é e o vínculo do estudante e o solicitante da vaga. Há, no contexto da contratação do estágio, a figura do supervisor, do solicitante, do servidor que participou direta ou indiretamente da seleção, principalmente na fase de entrevistas com alto grau de subjetividade, a relação orgânica e hierárquica da unidade que demanda o estagiário e o seu quadro de servidores e, ainda, o potencial relacionamento entre o solicitante e o servidor que possui relação de parentesco com o candidato a estágio. Por estas razões, a verificação das hipóteses “caso a caso” deve ser detidamente analisada para não incorrer riscos de permitir a concretização do nepotismo na seleção de estagiário.
- Relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.
Pode eventualmente ocorrer esta situação, porém, basta não permitir a contratação do candidato caso o seu parente seja o solicitante da vaga lotado em órgão ascendente do SGEST.
Para este tópico, aproveitam-se as ressalvas anteriores.
Destarte, a questão não se encerra objetivamente na análise do grau de parentesco entre o supervisor e o estagiário, ou mesmo seu poder de influenciar a contratação do referido estudante. Seria coerente aliar a prévia necessidade de inscrição em lista aberta e pública, a uma etapa da seleção mais objetiva e impessoal possível, reduzindo a relevância e subjetividade contida na entrevista. O contato direto com o estagiário deveria ser a última etapa dentro de um processo seletivo maior, com aplicações de provas periódicas impessoais, nos moldes, por exemplo, do programa de seleção de estágio do Ministério Público Federal, no qual são realizadas provas semestrais ou anuais com os pretensos candidatos. Desta forma, a meritocracia do estudante em razão do conhecimento e potencialidade de colaboração com os interesses do Senado Federal seriam preservados e, por consequência, seriam reduzidas as hipóteses de influências no processo de contratação de estágio. Observadas estas premissas, estariam sendo cumpridos os requisitos trazidos pelo inciso III, do art. 3º do Decreto nº 7.203/2010 que expressamente apregoa que a seleção de estágio deveria ser precedida de regular processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes.
III. CONCLUSÃO.
Isto posto, considerando que, no caso dos autos analisados quando da emissão do Parecer n.º 570/2017-ADVOSF, chegou-se à conclusão de que a nomeação de servidora comissionada para gabinete distinto daquele de seu cônjuge, servidor também comissionado, deveria ser submetida ao cotejo destas hipóteses objetivamente lançadas pelo STF, procedimento semelhante cabe no momento da verificação de ocorrência de nepotismo quando da celebração de termo de estágio com os estudantes.
Outrossim, se este entendimento seria possível na contratação de servidores de livre nomeação e exoneração, nada mais adequado permitir também essa análise, caso a caso, considerando que os estagiários precisam se candidatar e figurar em lista prévia e aberta ao público. Faz-se, apenas, a recomendação de que o SGEST aprimore, se assim entender necessário, os meios objetivos e impessoais de seleção, visando reduzir a subjetividade na escolha dos estudantes, e adote as ponderações contidas neste opinativo como reflexões a serem verificadas no momento da avaliação dos casos a ele submetidos. Insta salientar, tão somente, que aos estudantes que detém parentesco e afins com servidores do SGEST, o óbice é absoluto quanto ao seu ingresso nos quadros de estagiários do Senado Federal.
Brasília, 13 de março de 2018.
ANDRÉ DAMAS DE MATOS
Advogado do Senado Federal
De acordo. Ao Advogado-Geral. Brasília, 21 de março de 2018.
BÁRBARA AZEREDO SOUZA THOMÉ
Advogada do Senado Federal Coordenadora do Núcleo de Processos Administrativos
Aprovo. Junte-se ao processo e encaminhe-se à Diretoria-Geral, em atenção ao despacho contido no documento n.º 00100. 023305/2018-07.
Brasília, 25 de abril de 2018.
FERNANDO CESAR CUNHA
Advogado do Senado Federal Advogado-Geral